Incontinência Urinária e Gravidez

Porquê as mulheres têm mais Incontinência Urinária e Fecal ?

por Dr Paulo Rodrigues

Por que a gravidez favorece a incontinência?

Incontinência urinária significa a perda involuntária de urina no momento em que há aumento de pressão intra-abdominal; por exemplo, quando se tosse, espirra ou se realiza exercícios físicos, que resultam em contração da musculatura abdominal. 

Reconhece-se que muitas mulheres apresentam perdas urinárias, em decorrência da associação do envelhecimento da musculatura do assoalho pélvico, muitas vezes associados ou agravados com os efeitos da gravidez.

A relação entre parto vaginal e seus efeitos mecânicos sobre a musculatura pélvica, fundamenta-se de maneira consistente, pois se reconhece que o parto vaginal frequentemente lacera a musculatura pélvica, para permitir a passagem da cabeça da criança.

Estudos populacionais identificaram estreita correlação entre o número de partos vaginais, o tamanho (peso) da criança, e a via do parto; como fatores predisponentes para o aparecimento de incontinência urinária no decorrer da vida.

É interessante notar que, embora as lesões do parto aconteçam na 2° ou 3° décadas de vida, momento em que a maioria das mulheres dão à luz ou ficam grávidas; será somente a partir da 4° ou 5° décadas de vida, que as perdas urinárias nas mulheres tornar-se-ão mais aparentes e prejudicarão suas qualidades de vida, pois neste momento; as lesões decorrentes da gravidez somam-se o inexorável envelhecimento e desgaste da musculatura pélvica, e as alterações hormonais decorrentes da gravidez.

Muitas mulheres desenvolvem perdas urinárias já na 1° gravidez, e por consequência; apresentam qualidade de vida e níveis de depressão maiores, do que aquelas que não perdem urina durante a gestação (van Brummen HJ et cols. What is the effect of overactive bladder symptoms on woman’s quality of life during and after first pregnancy? BJU Int 97:296, 2006).

Estima-se que 31% das primíparas (1° gravidez) e 48% das multíparas (mais de 1 gravidez) apresentem perdas urinárias durante a gravidez (Wesnes SL et cols. Urinary incontinence during pregnancy. Obstet Gynecol 109:922, 2007). 

Num estudo conduzido nos USA, a incidência de perdas urinárias nas mulheres foi ainda mais alarmante, com incidência de 70% para as mulheres primíparas; e 75% para as multíparas (Thomason AD et cols. Urinary incontinence symptoms during and after pregnancy in continent and incontinent primiparas. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 18:147, 2007). 

Tais diferenças podem estar relacionadas à forma da pesquisa, e ao tipo de pergunta que se faz às pacientes, mas também ao tamanho dos ossos da bacia nas diferentes populações (Raza-Khan F et cols. Peripartum urinary incontinence in a racially diverse obstetrical population. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 17:525, 2006).

As alterações do assoalho pélvico durante a gravidez tornam-se tão marcantes, que algumas mulheres não recuperam a função muscular pélvica, mesmo após o parto; consolidando a incontinência como sintoma cicatricial da gravidez. 

Como esperado, gravidezes em mulheres acima de 30 anos apresentam maior chance de desenvolverem perdas urinárias a partir da 12° semana. Nas mulheres que desenvolveram perdas urinárias durante o curso da gravidez, recuperarão as funções da musculatura pélvica e da bexiga mais incompletamente; e terão maior chance de se manterem com perdas urinárias, mesmo 1 ano após o parto, sendo fortes candidatas ao tratamento cirúrgico, que reestabeleça a função uretral (van Brummen HJ et cols. Bothersome lower urinary tract symptoms 1 year after first delivery: prevalence and the effect of childbirth. BJU Int 98:89, 2006).

Outro importante aspecto no aparecimento da incontinência urinária durante a gravidez, é que sua manifestação durante a gravidez implica em maior chance de se desenvolver perdas urinárias posteriormente, memso que tenha sido transitória; quando a mulher entrar na menopausa; isto é, mulheres que perderam urina durante a gravidez (quando eram jovens); terão maior probabilidade de apresentarem incontinência, quando entrarem na menopausa (Burgio KL et cols. Urinary incontinence in the 12-month postpartum period. Obstet Gynecol 102:1291, 2003) (Liang CC et cols. Clinical impact of and contributing factors to urinary incontinence in women 5 years after first delivery. Int Urogynecol J 24:99, 2013).

Alterações da musculatura pélvica secundária à gravidez

A gravidez tem impacto direto no assoalho pélvico!

É durante o primeiro trimestre, que os sintomas urinários pioram e trazem desconforto à mulher, seja na 1° gravidez, ou nas demais.

O tamanho e o peso do útero recaem sobre a bexiga e a irritam, produzindo o efeito de aumentar a frequência da micção, o que é observado em 80% das mulheres grávidas, piorando à medida que a gravidez progride (Francis WJ. Disturbances of bladder function in relation to pregnancy. J Obstet Gynaecol Br Emp 67:353, 1960).

Similarmente, a frouxidão fisiológica programada da musculatura do assoalho pélvico, permite uma “descida” adicional de toda a musculatura da pelve, quando a mulher tosse ou espirra, fazendo com que a incontinência aos esforços, também seja mais observada, pois nesta circunstância, a pressão no interior da bexiga ultrapassa a pressão da uretra, e as perdas urinárias ocorrem involuntariamente.

A gravidez é um dos fatores de risco, mais bem conhecidos para o desenvolvimento da incontinência. Mulheres que vivenciaram a gravidez, qualquer que tenha sido o modo do parto; têm a tensão e a força da musculatura pélvica muito diminuídas. 

Embora a diminuição da tensão e da força na musculatura pélvica sejam diminuídas nas mulheres grávidas, naquelas que apresentam perdas urinárias que se iniciaram na gravidez, apresentam maior frouxidão, do que naquelas sem perdas urinárias (McKinnie V et cols. The effect of pregnancy and mode of delivery on the prevalence of urinary and fecal incontinence. Am J Obstet Gynecol 193:512, 2005).

A redução da força muscular do assoalho pélvico relaciona-se também com o peso adquirido durante a gravidez. 

Quanto mais a mulher engordar, maior será a chance de desenvolver perdas urinárias, pois a pressão no interior do abdômen reflete-se diretamente sobre a pelve, e impulsiona a urina através da uretra, que enfraquecida; não consegue mantê-la no interior da bexiga (Zhu L et cols Prevalence and risk factors for peri- and postpartum urinary incontinence in primiparous women in China: a prospective longitudinal study. Int Urogynecol  23:563, 2012).

Colágeno na Gravidez

As fibras colágenas, que moldam a pelve humana; igualmente sofrem expressiva alteração em decorrência da gravidez.

Ao engravidar, a mulher sofre um aumento da atividade enzimática para a degradação do colágeno (colagenase), em preparação para o parto, que exige que a musculatura fique mais frouxa e elástica, diminuindo o tônus em preparação para a facilitação da passagem da cabeça do feto, no momento do parto. 

Este processo, que é lento, mas permanente, durante todos os 9 meses, não se recupera plenamente após o parto. 

Isto é, a perda do tônus muscular pélvico, sofre alterações permanentes, ainda que seja imperceptível (Falconer C et cols. Decreased collagen synthesis in stress-incontinence women. Obstet Gynecol 84:583, 1994).

O fenômeno de diminuição da quantidade e qualidade do colágeno, observados durante a gravidez, aumenta a ocorrência de perdas urinárias. Igualmente, também nas mulheres incontinentes observa-se uma menor quantidade de colágeno na pelve, quando se compara com mulheres continentes, mesmo que estas últimas nunca tenham ficado grávidas (Keane DP et cols. Analysis of collagen status in premenopausal nulliparous women with genuine stress incontinence. Br J Obstet Gynaecol 104:994, 2007).

Um interessante estudo com mulheres gêmeas revelou que a menor quantidade de colágeno estava presente em ambas as irmãs, revelando uma ligação genética com a predisposição à incontinência urinária (Dietz HP et cols. Bladder neck mobility is a heritable trait. Br J Obstet Gynaecol 112: 334, 2005), mas somente a Irã que ficou grávida apresentava perdas urinárias.

Outro estudo, que aprofundou o entendimento da tendência familiar genética com a incontinência urinária nas mulheres, relacionou a chance de uma mulher ter incontinência, se sua mãe apresentava perdas urinárias. 

O resultado foi que havia expressiva associação; reforçando a percepção de que há uma predisposição familiar para a incontinência e para o prolapso – queda do útero e bexiga dentro da mesma família (Lince SL et cols.  Systematic review of clinical studies on hereditary factors in pelvic organ prolapse. Int Urogynecol J 23:1327, 2012).

Hormônios na Gravidez

A progesterona aumenta de 24 ng/ml na 8° semana de gravidez, para 150 ng/ml por volta da 36° semana.

O efeito relaxante muscular da progesterona sobre a musculatura pélvica diminuindo o tônus pélvico, tem o intuito de facilitar o parto e a expulsão do bebê.

Este efeito diminui a capacidade da uretra de se coaptar quando há aumento das pressões dentro do abdômen, favorecendo as perdas urinárias.

Após o nascimento, os níveis hormonais se normalizam, e a musculatura tende a retomar o tônus, na vasta maioria das mulheres. Mas, algumas mulheres, que tiveram parto com bebês grandes, utilizaram Fórceps, ou foram além da 40° semana de gestação, apresentam menor chance de recuperação.

Chance de desenvolver Incontinência Urinária após a 1° Gravidez

Vários estudos desde a década de 70, já relacionavam a gravidez e o parto vaginal como causas de desenvolver incontinência urinária.

De maneira grosseira, cerca de 30% das mulheres iniciarão e manterão as perdas urinárias após terem experimentado uma gravidez (Foldspang A et cols. Prevalent urinary incontinence as a correlate of pregnancy, vaginal childbirth, and obstetric techniques. Am J Public Health 89:209, 1999).

A ocorrência de perdas urinárias guarda relação não só com a gravidez, mas também, com o tipo de parto – mulheres que tiveram parto vaginal têm maior incidência de incontinência urinária posteriormente; quando comparado aos outros tipos de parto; ao uso de fórceps e de episiotomia, e a massa corpórea; isto é, mulheres obesas, ou que engordaram excessivamente na gravidez, predispõem-se mais a ficarem com incontinência urinária permanentemente (Zhu L et cols. Prevalence and risk factors for peri- and postpartum urinary incontinence in primiparous women in China: a prospective longitudinal study. Int Urogynecol J 23:563, 2012).

Enquanto alguns estudos encontraram maior tendência para a incontinência em mulheres que tiveram parto vaginal, quando comparados ao parto cesáreo, outros relataram que não havia diferença, amenos que a mulher tivesse entrado em trabalho de parto antes de se converter um parto vaginal para parto cesáreo; o que significa dizer que a gravidez é mais prejudicial para a musculatura pélvica, se a mulher entrou em trabalho de parto (Boyles SH et cols. Effect of mode of delivery on the incidence of urinary incontinence in primiparous women. Obstet Gynecol 113:134, 2009).

É digno de nota que, mesmo em pacientes primíparas, o impacto do parto normal vaginal, em comparação com o parto cesárea, interfere significativamente na chance de desenvolver incontinência urinária, 6 meses após o nascimento do bebê (Eftekhar T et cols. Postpartum evaluation of stress urinary  incontinence among primiparas. Int J Gynecol Obstet 94:114, 2008).

Retorno da Função Urinária e da Musculatura Pélvica ao Normal

Frequentemente, as funções vesicais e da musculatura pélvica retornam ao normal, após o 3° mês do parto. 

Entretanto, cerca de 27% das mulheres, com mais de 1 gravidez,  ainda apresentarão perdas urinárias após 6 meses do parto; e estas ficarão com as perdas urinárias de maneira definitiva, sem haver resolução espontânea destes sintomas, permanecendo como sequelas da gravidez (Serati M et cols. Prospective study to assess risk factors for pelvic floor dysfunction after delivery. Acta Obstet Gynecol Scand 87:313, 2008).

Num estudo norueguês, os resultados foram mais chocantes e desanimadores, pois 47% das mulheres que começaram a perder urina após ficarem grávidas, não recuperaram o tônus da musculatura pélvica, e permaneceram com as perdas urinárias de maneira definitiva após o parto (Thomason AD et cols. Urinary incontinence symptoms during and after pregnancy in continent and incontinent primiparas. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 18:147, 2007).

Nas mulheres com somente 1 gravidez (1° gravidez – primigrávida), 10% ainda terão perdas urinárias 1 ano após o parto, e assim permanecerão, pois todo o ritmo de recuperação já estará completo, e uma recuperação adicional será muito rara (Groutz A et cols. Cesarean section: does it really prevent the development of postpartum stress urinary incontinence? A prospective study of 363 women one year after their first delivery. Neurourol Urodyn 23:2, 2004).

Como melhorar ou Evitar a ocorrência de Incontinência Urinária após a gravidez

Infelizmente, muitos dos estudos descobriram que a gravidez é um sério e forte fator predisponente, e pouco será possível alterar esta realidade.

Entretanto, promover exercícios pélvicos pode diminuir a intensidade das perdas urinárias ou mesmo colaborar preventivamente, para uma mais rápida recuperação muscular.

Se no entanto; um estudo observou que exercícios pélvicos realizados de maneira intensa por 8 semanas, reduziam a incidência de perdas urinárias de 38% para 31%, não se verificou que pudessem tornar as pacientes secas ou curadas, após a incontinência estar estabelecida (Thom DH & Rortveit G. Prevalence of postpartum urinary incontinence: a systematic review. Acta Obstatricia et Gynecologica 89:1511, 2010).